Na mídia
LC 224/2025 e a redefinição da política de incentivos fiscais no Brasil
29/12/2025
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29/12/2025
A publicação da Lei Complementar 224/2025 inaugura uma fase inteiramente nova na política fiscal brasileira. Mais do que uma revisão de benefícios, a norma representa um verdadeiro reposicionamento estratégico da União em relação ao uso de incentivos tributários, financeiros e creditícios. O texto aprofunda as exigências para criação e prorrogação de benefícios, reduz incentivos existentes, estabelece um teto macroeconômico para gastos tributários, amplia obrigações de transparência e promove mudanças relevantes em setores sensíveis como apostas, fintechs, instituições financeiras e atividades sujeitas a regimes especiais.
Nesse sentido é evidente o aumento imediato da carga efetiva de tributos federais para grande parte das empresas brasileiras. E, nesse contexto, é impossível ignorar: o regime do Lucro Presumido é um dos mais afetados, especialmente em razão do aumento automático dos percentuais de presunção aplicáveis sobre receitas que ultrapassem R$ 5 milhões por ano. Embora à primeira vista a mudança pareça restrita, ela tem potencial de alterar a lógica de enquadramento de milhares de empresas.
A LC 224 determina um corte linear de 10% sobre quase todas as modalidades de incentivos federais, como isenções, alíquotas zero, reduções de base de cálculo, créditos presumidos e regimes especiais. Isso significa que setores historicamente sustentados por desonerações sofrerão aumentos de custo imediato. Ao mesmo tempo, a norma cria uma dinâmica de avaliação: nenhum benefício poderá ser prorrogado sem comprovação de metas de desempenho objetivas e mensuráveis. Isso vincula a política fiscal a resultados efetivos e reduz a anterior cultura de benefícios permanentes.
Outro marco importante é o limite global para incentivos tributários, fixado em 2% do PIB. Caso esse teto seja ultrapassado, fica automaticamente proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios, salvo se existirem medidas de compensação equivalentes durante toda a vigência da política. Trata-se de uma trava fiscal inédita, que promete redesenhar a forma como o Estado utiliza renúncias como instrumento econômico.
No campo da transparência, a LC 224 determina a divulgação pública dos beneficiários de incentivos fiscais, incluindo valores usufruídos. A intenção é promover maior controle social e evitar que benefícios de grande impacto sejam concedidos ou prorrogados sem escrutínio adequado.
O texto também interfere no setor de apostas, definindo responsabilidade solidária para instituições financeiras, meios de pagamento e anunciantes que facilitarem ou promoverem operações de casas de apostas não autorizadas. O objetivo é endurecer o combate à informalidade, ampliar arrecadação e responsabilizar agentes que integravam zonas cinzentas da cadeia.
Alterações adicionais ocorrem na tributação de fintechs e instituições financeiras, com aumento de alíquotas da CSLL, bem como no regime de Juros sobre Capital Próprio (JCP), cuja alíquota passa a ser mais elevada. Também há redefinições na destinação das receitas de loterias de quota fixa e ajustes em legislações estruturantes que compõem o arcabouço fiscal federal.
Mas, sem dúvida, o impacto mais perceptível no curto prazo está no regime do Lucro Presumido. A partir de 2026, empresas com receitas superiores a R$ 5 milhões por ano terão um aumento automático de 10% nos percentuais de presunção aplicados sobre a parcela do faturamento que exceder esse limite. Consequentemente, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL se torna maior, ampliando a carga tributária. Isso deve incentivar a migração de empresas para o Lucro Real, onde é possível recuperar créditos, compensar prejuízos e trabalhar com margens reais. Já empresas que operam com margens apertadas podem enfrentar dificuldades significativas. A mudança também estimula a revisão de estruturas de faturamento, planejamento tributário e estratégias de crescimento, especialmente para companhias que orbitam próximas ao limite dos R$ 5 milhões anuais.
O setor de bens de capital e de infraestrutura é especialmente sensível às alterações trazidas pela LC 224. Esses segmentos possuem ciclos longos de investimento, estruturas de financiamento complexas e historicamente dependem de políticas de incentivo para viabilizar projetos de grande porte. A redução proporcional dos incentivos federais tende a elevar custos de produção, aquisição de equipamentos, renovação tecnológica e execução de obras.
A diminuição de créditos presumidos, reduções de alíquota e regimes especiais pode elevar o custo de máquinas, equipamentos e insumos essenciais, pressionando investimentos em geração de energia, logística, construção pesada, mobilidade urbana e saneamento. Projetos que antes se apoiavam em desonerações para garantir viabilidade podem precisar ser revisados — ou até adiados — devido à recomposição da carga tributária.
Outro ponto sensível é a exigência de metas objetivas para prorrogação de benefícios. Projetos de infraestrutura frequentemente têm ciclos superiores a cinco ou dez anos, o que cria uma tensão natural com o prazo máximo previsto pela LC 224 para vigência dos incentivos. Embora a lei permita prazos maiores em projetos de longo prazo, essa exceção depende de regulamentação específica, que ainda não foi definida. Isso introduz um elemento adicional de incerteza regulatória que pode afetar a velocidade e a segurança na tomada de decisão.
Também há impacto potencial no índice de nacionalização de equipamentos e na competitividade da indústria nacional de bens de capital, já que a redução de benefícios relacionados à importação pode encarecer tanto componentes importados quanto a produção local, devido à integração global das cadeias produtivas. Em última instância, o aumento do CAPEX (Capital Expenditure) pode gerar atrasos, encarecer tarifas e reduzir a atratividade de concessões e PPPs.
Isso porque foi determinada a redução dos incentivos fiscais vinculados aos tributos que compõem o “custo Brasil” do investimento em equipamentos e materiais essenciais neste nicho.
A LC 224/2025 não apenas corta incentivos: ela reorganiza toda a lógica da política fiscal brasileira. Seus efeitos atingem desde a estruturação de grandes projetos industriais e de infraestrutura até o dia a dia das empresas de médio porte. Para o setor privado, a mensagem é clara: o ambiente de incentivos fiscais está se tornando mais restrito, condicionado a desempenho e alinhado a metas de eficiência. Já para empresas no Lucro Presumido, o impacto é imediato e expressivo, exigindo reavaliação do regime tributário, simulações e revisão de estratégias já a partir de 2026.
Documento para acesso: LC 224/2025 e a redefinição da política de incentivos fiscais no Brasil