Valor Econômico/Caderno Legislação – Reequilíbrio dos Contratos Públicos

Chama a atenção o fato da administração pública não fazer menção ou distinção sobre a natureza dos valores repactuados

 

Por Luis Claudio Yukio
09/06/2021 05h01 · Atualizado há 5 horas

 

Em tempos de pandemia e de incertezas econômicas, um assunto vem tomando cada vez mais espaço: o Reequilíbrio Econômico dos Contratos, especialmente aqueles celebrados com os entes públicos, nos termos da Lei das Licitações, recentemente alterada pela Lei nº 14.133/2021.

 

As empresas buscam repactuar os contratos para recompor as perdas em função da crise causada pela Covid-19. Os prejuízos não se restringem a aumento de custos e despesas operacionais, pois as restrições sanitárias afetam a produtividade e lucratividade das empresas, causando um desequilíbrio econômico e financeiro.

 

Chama a atenção o fato da administração pública não fazer menção ou distinção sobre a natureza dos valores repactuados

 

Quando uma das partes é um público, as negociações não apresentam a mesma agilidade de contratos firmados entre particulares em função dos Princípio Administrativos. No entanto, a própria Lei das Licitações, artigo 65, assegura a possibilidade de renegociação do contrato público firmado para: “restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”.

 

A crise desencadeada no começo de 2020 é facilmente enquadrada no permissivo legal da Lei de Licitações para a rediscussão das questões econômico-financeiras, seja por configurar um caso fortuito ou força maior. Este expediente de reequilíbrio tendo sido utilizado desde antes do início da pandemia (operações como a Lava-Jato atingiram o setor de infraestrutura) com o viés de intensificação em função da crise de saúde.

 

Diante desse aumento de pleitos, a Receita Federal foi provocada a se manifestar sobre o tratamento tributário dos valores eventualmente recebidos a título de indenização/repactuação pelos contribuintes.

 

Nos termos da Solução de Consulta nº 72/2021, publicada em abril, a autoridade fiscal entendeu, de maneira superficial, que os valores recebidos pelas empresas em decorrência de repactuação de contratos com entes públicos configuram receita bruta, sendo incluídos na base de cálculo da contribuição ao PIS e à Cofins.

 

Não se questiona o enquadramento desses valores como receita bruta, mas chama a atenção, o fato de a administração pública não fazer menção ou distinção sobre a natureza dos valores repactuados, os quais normalmente possuem características remuneratórias e indenizatórias, não podendo ter o mesmo tratamento tributário.

 

Parte dos valores que compõem pleitos de reequilíbrio apresentados pelas empresas representam um acréscimo patrimonial e, portanto, devem ser tratados como um acréscimo patrimonial tributável das mencionadas exações. Por outro lado, uma parcela desses valores é composta de montantes relacionados à recomposição de uma perda patrimonial efetiva, a qual deveria ser excluída da respectiva base de cálculo.

 

Em um exemplo hipotético: Empresa A possuiu um contrato com o poder público para realização de uma obra ou serviço, adquiri materiais, contudo, devido às restrições impostas pela pandemia, esses bens acabam por perecer e devem ser substituídos para cumprimento do que foi acordado com a administração pública. É evidente que se verifica um desiquilíbrio econômico-financeiro do contrato, dando espaço para um pedido de repactuação de valores.

 

Ocorre que, esses valores eventualmente recebidos pela Empresa A, segundo a Receita Federal, deverão ser tributados pela Contribuição ao PIS e à Cofins, por configurar receita bruta. A autoridade deixou de considerar a natureza efetiva dos valores recebidos/repactuados, tributando patrimônio e não efetiva entrada de novas receitas.

 

Este é um exemplo hipotético, mas que ocorre no mercado, e nos casos concretos, existem outros parâmetros e perdas que são considerados em uma renegociação, tais como custos adicionais de transporte e refeitório, EPI que antes não eram necessários, mas se tornaram obrigatórios e, sem adentrar em maiores detalhes, o custo adicional por postergação do prazo das obras.

 

Ao se tributar o que se é recomposição de uma perda material efetiva acaba-se por onerar indevidamente o contribuinte que não obteve qualquer acréscimo patrimonial. O que vai ocorrer na prática é que os pleitos junto ao Poder Público já irão contemplar o valor dessas exações (o conhecido gross- up), ou seja, quem no final irá arcar com esse custo são os próprios entes estatais.

 

Os contribuintes que não conseguirem incluir os tributos dentro do seu pleito de reequilíbrio, a via judicial deverá ser o destino, seja para afastar o entendimento da Receita, seja para incluir os valores dos tributos nos pedidos de repactuação.

 

Uma vez mais, as autoridades fiscais federais, com uma interpretação rasa dos conceitos tributários econômicos aliada a um ímpeto arrecadatório, produzem mais um ponto de questionamento que, além de aumentar a procura pelo Poder Judiciário, autoriza a todos que buscarem o reequilíbrio econômico-financeiro em contratos públicos a inclusão dos tributos em seu pleito, prejudicando, ainda, mais o erário público.

 

Luis Claudio Yukio sócio de tributário do Toledo Marchetti Advogados

 

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/06/09/reequilibrio-dos-contratos-publicos.ghtml

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